Durante muito tempo vem se falando da massificação da ideia do amor romântico em filmes, novelas e shows. Associava-se o aumento de separações e divórcios ao excesso de idealização das relações amorosas com a história do "E foram felizes para sempre", que sugeria que uma relação feliz deveria não somente ser eterna, mas também ser livre de conflitos.
Por um tempo, realmente viu-se um aumento significativo da frustração das mulheres em suas relações afetivas, porque seus pares deixavam muito a desejar em comparação as suas contrapartes idealizadas (Lembra do Noah de "O Diário de uma Paixão" e Patrick Swayze em "Ghost"?). Mas hoje em dia, depois das mudanças ocorridas nas últimas décadas, parece que um novo cenário está se configurando, onde as relações conjugais são muito mais uma escolha do que um compromisso assumido socialmente ou diante da família. As pessoas, especialmente as mulheres, se dão direito a tantos recomeços quanto desejarem em busca da própria felicidade, e a sociedade está se tornando menos preconceituosa em relação a isso.
Ser livre é isso: ter o direito de ficar preso a quem você quiser - Autor desconhecido
Algumas consequências deste movimento merecem comentário: por um lado, a disposição de lutar pelas relações é menor porque a tolerância à frustração e à infelicidade está bastante reduzida. Sentimos que insistir no que não está mais funcionando é uma perda de tempo, e os tempos que damos para uma relação mostrar a que veio é significativamente mais curto hoje do que era no passado. Com isso, muitas relações terminam antes mesmo de efetivamente começar, ou seja, quando ainda estão na fase inicial de descobrimento e adaptação. A paixão nem chega a se converter em amor porque quando este processo tem início e a chama inicial começa a diminuir, uma ou ambas as partes imediatamente joga a toalha. Assim, a relação não tem tempo de amadurecer e florescer, o que pode ser uma perda para as partes envolvidas e, muitas vezes, para todos que possuem algo investido naquele relacionamento (como família e filhos). Por outro lado, as relações que continuam, crescem e amadurecem parecem ser embasadas em alicerces muito mais sinceros, em amor verdadeiro, tesão e parceria, porque as partes envolvidas sentem que ali estão por opção. Logo, se por um lado sinto que os vínculos se tornaram "mais frouxos", aqueles que sobrevivem parecem muito mais verdadeiros.
O número de relações extraconjugais também parece ter diminuído, o que faz sentido: para que trair se, ao ver-me infeliz, sou livre para desfazer este vínculo sem maiores dramas? No entanto, também é possível que o número de casos extraconjugais tenha diminuído porque hoje as relações são estabelecidas sobre outros acordos: a monogamia já não é uma condição inegociável para o estabelecimento de uma relação amorosa e o envolvimento emocional/sexual com terceiros para muitos deixou de ser tabu. Como sociedade, parece que estamos caminhando na direção do "cada um deve viver aquilo que lhe faz feliz sem ocupar-se tanto da vida dos outros" (vide os filmes, séries e shows que, transmitidos depois das 10 da noite, exibem sem pudores todo tipo de relação amorosa, sem rótulos ou estereótipos). Essa tendência, embora ainda seja transgressor para a nossa época, em teoria tem o potencial de gerar indivíduos menos neuróticos (desde o ponto de vista da psicanálise).
Uma outra consequência deste novo modelo afetivo é a exigência de que cada um trabalhe sobre si mesmo, se responsabilize pela própria bagagem e esteja comprometido com a melhor expressão de si mesmo. Hoje em dia, já não é tão aceito que cheguemos em uma nova relação com bagagem da relação anterior (ou da nossa infância) esperando que o outro nos compreenda, ajude a colar os pedaços do nosso coração partido ou nos ajude a resolver nossos problemas. Pelo contrário, a maioria avalia qualquer possibilidade de novo relacionamento amoroso a partir de: "Que tão bem eu me sinto ao seu lado? O que você me traz de bom? Como são os momentos que passamos juntos?" Com isso, o leque de possibilidades afetivas para aqueles que não estão interessados em seu próprio desenvolvimento pessoal se reduziram drasticamente. A contrapartida disso é que a população de gente cabeça e bem resolvida, que sabe o que quer e assume a responsabilidade pela própria felicidade, aumentou significativamente.
O período ainda é de transição: muita coisa está mudando e muita coisa ainda vai mudar. Mas uma coisa é certa: o mundo se tornou um lugar de oportunidades reduzidas para quem não "cuida do próprio jardim". Em que grupo você se encontra?
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